O funcionário técnico-administrativo em educação que investiu anos de estudo e sacrifício pessoal para crescer profissionalmente, após chegar ao ápice da qualificação, carrega consigo muito orgulho e um belo currículo, mas também frustração. Estando em cargos de apoio ou médio, ele está impedido de progredir na carreira e permanece exercendo funções aquém de sua capacidade, ganhando praticamente o mesmo salário de colegas com formação tradicional.
Esta é uma realidade existente nas universidades, nas quais as injustiças e a discrepância no cotidiano laboral virou regra e não exceção. Orlando Augusto Agrellos Filho e Nilson Nunes Tavares são exemplos. Técnicos em química do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da UFRJ, eles têm pós-doutorado, mais de 25 anos de universidade, investiram sonhos e esforços para se especializarem, mas estão estagnados na carreira.
O que fica patente é a falta de uma política de incentivo profissional na universidade. Tanto que processos foram abertos através de reivindicação de funcionários e encaminhados à Pró-Reitoria de Pessoal (PR-4), isto até com pedido de diretor de unidade. É o caso desses dois técnicos da Biofísica, que tiveram seu pleito encampado pela diretora Denise Pires de Carvalho (veja entrevista na página 6).
O processo de Orlando encaminhado em 22 de novembro de 2010 está há mais de 60 dias parado. O de Nilson, sequer ganhou número. Casos como os deles são inúmeros na UFRJ. Diante desta demanda, o que a universidade irá fazer?
Orlando e Nilson, felizmente, têm uma visão positiva desta experiência. Eles declaram que o investimento pessoal foi muito enriquecedor, no entanto, a expectativa de promoção ou transposição do cargo que exercem se frustra-se com a ausência de uma política na UFRJ para solucionar esta situação.
Nilson, que fará 26 anos de universidade, desabafa: "Tem uma hora que você se abate e passa por uma etapa depressiva, porque você olha outra pessoa menos qualificada mas que têm mais oportunidades que não são dadas a você porque você é sempre visto como técnico. É a visão da UFRJ. Na Biofísica esta visão está mudando. Mas a realidade geral é que não temos incentivo maior. E as injustiças ocorrem". Ele afirma que alternativas existem e podem ser construídas, como na Fiocruz, por exemplo, onde existe a figura do técnico pesquisador e ele pode se desenvolver na carreira.
O profissional diz, ainda, que situações como a sua podem ser vistas de duas maneiras, tanto pelo lado positivo, que é pessoal, quanto pelo negativo. "Tem gente que diz que vai estudar para quê, se o salário não muda e as responsabilidades aumentam?", inquire.
Orlando tem 28 anos de universidade. Ele diz que se houvesse reconhecimento e ele fosse acompanhado também em termos salariais seria ótimo. Só que o cotidiano é bem diferente. "Fiz até prova para professor para poder me dedicar a pesquisa. Como técnico fico limitado, e mesmo assim, se fosse aprovado, teria que voltar à estaca zero, o meu tempo como técnico-administrativo não seria contado. E mesmo com pós-doutorado, em final de carreira, e trabalhando além da função, não posso passar de nível médio. É frustrante".
Mas o técnico, que não se intimida com as dificuldades e não se arrepende do esforço, tem orgulho do ganho pessoal. "Sempre com apoio dos professores, adquiri conhecimentos e amadureci, o que muito me ajudou na minha vida profissional".
Trajetória
Orlando Augusto entrou na UFRJ como auxiliar no Departamento de Microbiologia Geral do Instituto de Microbiologia. Em 1984, passou para Química no curso de Licenciatura e Bacharelado na então Faculdade de Humanidades Pedro II, Fahupe.
Ainda em 1984, apesar das dificuldades encontradas para seguir adiante no curso universitário, não desanimou e lutou para conseguir se formar. Já estava com 22 anos e morava só, em um apartamento alugado. Saía do laboratório por volta das 16h30, corria para o bandejão, jantava correndo e ia o mais rápido possível para pegar o 634. Saía da faculdade e pegava dois ônibus para casa, chegando por volta da meia-noite. Na época não teve condições de pagar o aluguel e a faculdade. Trancou a matrícula e só pôde retornar aos estudos em 1986, quando foi contemplado com uma bolsa de apoio técnico do CNPq.
De 1995 a 2004 conciliou o trabalho na UFRJ com as aulas que dava à noite na Faculdade Salgado de Oliveira. Em 1997 retornou à pós-graduação, quando passou em segundo lugar para o curso de mestrado em Química de Produtos Naturais. Em 1999 se titulou Mestre pelo Núcleo de Pesquisas e Produtos Naturais (NPPN). Estimulado pela defesa de tese de mestrado, inscreveu-se para admissão ao doutorado do NPPN, sendo o primeiro colocado.
Nilson, assim como Orlando, graduou-se pela Fahupe e teve de conciliar trabalho, estudo e aulas à noite em diversas universidades. Mas uma de suas maiores dores foi a perda do pai – faleceu no HU de câncer de pulmão – em 2005, quando ainda fazia o pós-doutorado em Paris. “O meu pai tinha muito orgulho de mim”.
Faltando seis anos para se aposentar, ele afirma que tem esperança de que seus esforços e de seus colegas sejam reconhecidos pela universidade de fato e de direito: “Todos nós, uns mais, outros menos, temos uma história de dedicação, dificuldades e entrega. Mas o fundamental é o entendimento desta nossa qualificação e enquanto profissionais assim ser reconhecidos como tais dentro da instituição”.
E provoca: “Se a universidade é a instituição do conhecimento e um funcionário técnico-administrativo em educação não pode ser reconhecido pela sua qualificação, isto fere um pouco o sentido da universidade”.
A diretora do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, Denise Pires de Carvalho, reivindica à Pró-Reitoria de Pessoal a promoção ou transposição de cargo dos técnicos Orlando e Nilson. Em entrevista ao Jornal do SINTUFRJ ela destaca que a universidade perde excelentes servidores devido ao engessamento da carreira, que desestimula também os recém-contratados.
“Perdemos excelentes servidores” SINTUFRJ – De que forma o impedimento de promoção de técnicos de nível médio e de apoio, que já têm até doutorado, interfere na produção de sua unidade? Denise – A produção de um profissional na sua atividade diária depende de vários fatores, entre os quais o fato de ser reconhecido pelos seus pares e chefia e assim ficar mais motivado para exercer as suas funções. O funcionário técnico que progrediu na sua carreira por iniciativa própria, com ou sem incentivo de sua chefia imediata, deve ter seu esforço reconhecido. Funcionários que, mesmo sabendo que possivelmente não teriam seu esforço pes-soal e profissional transformado em ganho salarial (material), provavelmente seguiram se especializando porque estavam completamente envolvidos com seu trabalho. Esses servidores têm prazer na sua atividade diária e são sempre os melhores, os profissionais que conseguem transformar o trabalho em uma atividade prazerosa. Obviamente devem ser mais reconhecidos pelo seu esforço e dedicação.
SINTUFRJ – Há muitos casos de profissionais que não podem evoluir na UFRJ por conta de não haver ascensão profissional?
Denise – Não conheço os dados de outras unidades, mas certamente há muitos profissionais que se enquadram nesta problemática, pois a nossa universidade é uma das melhores do país porque tem tanto o corpo docente quanto o de servidores técnico-administrativos em educação altamente qualificados e envolvidos com a universidade. Imagino que haja ainda muitos outros que poderiam melhorar seu envolvimento com o trabalho se houvesse a possibilidade de crescimento profissional vinculado ao maior reconhecimento.
SINTUFRJ – A senhora encaminhou memorando reivindicando à PR-4 alterações de cargo de funcionários diante da discrepância entre a formação, o desempenho profissional e o cargo exercido. Como avalia esta situação, que é comum na universidade, limita a possibilidade de crescimento e desestimula o servidor?
Denise – Já respondi em parte. O estímulo ao servidor inclui aspectos pessoais e salariais. A qualificação através do avanço nos estudos é fundamental para o melhor desempenho do servidor, mas o fato de não haver possibilidade de progressão vertical na carreira dos técnicos-administrativos em educação desestimula a qualificação, o que é muito deletério para toda a universidade.
SINTUFRJ- Na sua opinião, esta questão, além de fazer com que a universidade perca profissionais qualificados, também acaba por anular a inserção de novos servidores?
Denise – Esse ponto é fundamental. Perdemos excelentes servidores que atuam na área administrativa e nos laboratórios de pesquisa, pois a carreira não estimula verdadeiramente a qualificação profissional à medida em que impede a progressão de nível. Assim, o maior envolvimento com as atividades exercidas fica prejudicado, o funcionário recém-contratado se desestimula e tende a sair da universidade. Além disto, não há mecanismos que garantam a atração dos melhores profissionais. Os servidores altamente qualificados que ficam na universidade são profissionais tão envolvidos com as suas respectivas funções que sequer pensam em prestar concursos para outras instituições. Essa questão passa por aspectos emocionais de intensa dedicação pessoal, o que ainda garante o bom funcionamento da universidade, mas não sabemos por quanto tempo.
PEC está parada no Congresso
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 257/95 que prevê um plano de carreira com possibilidade de ascensão funcional para os servidores públicos está parada no Congresso Nacional. Esta é uma questão que exigirá ações conjuntas com as demais categorias dos trabalhadores públicos junto aos parlamentares no sentido de acelerar sua aprovação.
Na atual situação, configurada com a Constituição de 1988, a carreira dos servidores ocupantes de cargos efetivos foi engessada no cargo ou emprego de ingresso no serviço público, sem qualquer perspectiva de mobilidade a não ser dentro do mesmo cargo, por progressão ou promoção. Este engessamento foi provocado por um discurso moralizante que se tinha à época da constituinte, da eliminação de privilégios no serviço público.
Passados mais de vinte anos após a aprovação da Constituição, a reflexão sobre a prática realizada pelos trabalhadores públicos possibilitou um acúmulo de debate que permite a proposição de mudança nesse mecanismo constitucional, com vistas a aprofundar os princípios de garantia do interesse público de promoção de serviços com qualidade. Isso pode ser implementado a partir da aprovação PEC 257/95.
Temos hoje no PCCTAE vários servidores que já não têm mais para onde avançar no próprio cargo, e o que é mais perverso, não possuem nenhuma chance de ascenderem a outro cargo com exigência de escolaridade superior ao que ocupam hoje, faltando dez anos ou mais para se aposentar. Este quadro é preocupante, pois gera desmotivação no quadro de pessoal, o que compromete a qualidade do serviço público prestado.
Todos têm direito a ser promovidos de acordo com a aquisição de novos conhecimentos e habilidades. É uma aspiração humana crescer, tornar-se melhor, e o resgate da mobilidade na carreira seria um importante instrumento de gestão pública que possibilitaria uma melhora na qualidade dos serviços prestados. Por isso a defesa da PEC 257/95 está na ordem do dia para os servidores.
Técnicos-administrativos altamente qualificados não têm o devido reconhecimento na universidade e estão em funções muito aquém de sua capacidade
Orlando Augusto Agrellos Filho, técnico em química desde 1983, tem pós-doutorado na França e nos EUA, mestrado e doutorado em Química de Produtos Naturais pela UFRJ, com diversos trabalhos publicados em periódicos, inclusive estrangeiros. O pós-doutorado conquistou através de dois estágios, o primeiro no Institut de Neurologie Tropicale, Université de Limoges, France, Capes (2004) e o segundo na Georgetown University, Washington, USA, Departament of Microbiology/Immunology (2008-2010).
Mesmo ao longo do período em que se dedicou às disciplinas do doutorado ou à parte experimental da tese, Orlando não deixou de ter uma participação efetiva nas diversas linhas de pesquisa do laboratório. Em colaboração com outros estudantes, foi coautor em dois trabalhos relatados em encontros científicos.
O técnico em química acumula em seu currículo também aulas ministradas nos cursos de graduação e de pós-graduação no Instituto de Biofísica, um dos mais renomados da área. Orlando trabalha ainda na equipe dos professores Lúcia Mendonça Previato e José Osvaldo Previato, no Laboratório de Glicobiologia, localizado no Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho.
O trabalho realizado e o convívio com profissionais da área de produtos naturais, glicobiologia, microbiologia e química orgânica e analítica o encorajaram a se candidatar a uma vaga no quadro de docentes do Núcleo de Pesquisa de Produtos Naturais (NPPN). Em 2004 foi aprovado em segundo lugar no concurso para uma vaga de professor adjunto para o setor de Espectroscopia e Modelagem Molecular do NPPN.
Nilson Nunes Tavares, funcionário desde 1985, graduou-se em Química (Licenciatura e Bacharelado) em 1990 pela Fahupe. Logo após ingressou no mestrado, titulando-se mestre pela Biofísica em 1996 e doutor em Ciências em 2002 sob a orientação da Dra. Aída Hassón-Voloch. A professora, que sempre incentivou o servidor, solicitou na época, por via administrativa, sua progressão para o nível superior, mas não obteve sucesso.
A atuação profissional de Nilson é direcionada à área de Neurociências, com ênfase em Neuroquímica e Neurofarmacologia, trabalhando principalmente em temas como Alzheimer. Nilson realizou estágio no Collége de France-Paris, como prêmio pelo seu trabalho de mestrado apresentado no Congresso Internacional de Biofísica da IUPAB, em Amsterdã. O estágio de pós-doutorado foi desenvolvido em uma das melhores instituições de pesquisa europeia, a École Normale Superieure-Paris entre 2004 e 2005.
Durante todo o período de pós-graduação, Nilson ministrou diversas aulas nos cursos de graduação e de pós-graduação no Instituto de Biofísica, além de ter orientado alunos de iniciação científica e atuado como coorientador de mestrado.
O técnico em química, apesar de sua condição funcional, atua como pesquisador (pós-doutor), desenvolvendo seu trabalho no Laboratório de Neuroquímica, chefiado pelo Dr. Fernando Garcia de Mello, bem como é o químico responsável do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) junto a Polícia Federal e ao Ministério do Exército para aquisição de substâncias controladas.